Varejar alfarroba

Quem chega ao Algarve delicia-se com as magníficas praias de águas límpidas e cristalinas, decoradas por falésias douradas de fazer cortar a respiração.
Para além deste mundo encantado de sol, areia fina e mar azul turquesa, a perder de vista, esconde-se um magnífico tesouro que transforma a doçaria algarvia num autêntico manjar dos deuses.

São sete horas da manhã. O sol já irrompeu por entre um céu azul que anuncia um dia de muito calor. Por esta hora já há quem tenha o fato de banho vestido, o saco de praia, a geleira, o guarda-sol e toda uma parafernália de objectos a postos para um merecido descanso à beira-mar. Afinal estamos em Agosto, o mês que, por excelência, rima com férias. Nesta altura do ano, são muitos os turistas nacionais que rumam a sul para o tão desejado “dolce fare niente”, ainda que este ano, devido à pandemia, as férias sejam um pouco diferentes.

Para os algarvios do barrocal, Agosto é, sem dúvida, um mês diferente. Aqui a praia de águas transparentes dá lugar à praia “seca”. Que o diga Paula Santos que todos os anos reserva uns dias de Agosto para vir apanhar a alfarroba nos terrenos herdados dos avós, e que agora pertencem aos pais. Não é um trabalho fácil, “a maior parte das pessoas não quer este trabalho porque é duro”, explica. Para esta professora do ensino secundário seria bom que as pessoas não olhassem para o Algarve apenas como destino turístico. “Há muito por descobrir no Algarve profundo, o Algarve das raízes, dos costumes e das tradições”, diz-nos entusiasmada, acreditando que “a economia no Algarve tem de passar a valorizar este sector que já foi um dos principais motores económicos da região”.

Outrora uma das principais culturas do Algarve, a alfarroba tem vindo a perder peso para os pomares de citrinos, e mais recentemente para a cultura do abacate. O que tem feito com que, ao longo dos últimos anos, algumas empresas de transformação de alfarroba tenham encerrado portas. Neste momento, a maior a laborar no Algarve é a Chorondo & Filhos, já com uma longa tradição na transformação da alfarroba. Em 2018, a empresa investiu milhões na construção de uma nova fábrica. A empresa tem também apostado na inovação associando-se ao projeto Alfa, que estuda a aplicação da polpa da alfarroba para redução do colesterol e algumas doenças do ser humano.
A par da amendoeira e da figueira, a alfarrobeira é uma árvore de sequeiro típica do Algarve.

A alfarrobeira é uma árvore típica do sul de Portugal
A alfarrobeira é uma árvore típica do sul de Portugal

A arte de varejar
A alfarroba está no ponto de cair quando, com recurso a uma vara, se sacode o fruto. Por esta altura, há já muitas alfarrobas no chão, ainda que a grande maioria permaneça na árvore. E é preciso derrubá-las. Uma vez que as árvores são altas é necessário recorrer ao método do varejo. Mas varejar não é para todos. É um trabalho árduo. De cabeça levantada, o mestre António, no alto dos seus 78 anos, ainda consegue ter forças para aguentar o esforço. “São muitos anos a varejar”, diz-nos com a sabedoria da idade estampada nas várias rugas que o sol faz questão de evidenciar.

São anos e anos de trabalho e o mestre António não esconde o desânimo: “Só tenho pena é que esta malta nova não queira saber nada disto. Já ninguém quer trabalhar no campo. E é daqui que sai o nosso alimento”. Um desabafo partilhado também pela sua esposa. Judite Andrez tem 75 anos e não se lembra de ter passado um ano sem apanhar alfarrobas. “Há uns 60 anos” que anda nestas lides. Primeiro com os pais, depois com as filhas e agora também com os netos. “É para ver se eles ganham gosto por isto e não deixam perder esta cultura”, conta.

 

Sai uma torta de alfarroba?
Depois da pausa para almoço, a labuta continua tarde fora. Com o corpo dobrado e já cansado, vão-se apanhando as grandes vagens pretas de onde se extraem as sementes dando origem à tão afamada farinha de alfarroba. O fruto tem muitas aplicações industriais, nomeadamente no sector alimentar. A sua utilidade é tão variada que é apelidado de ouro negro do Algarve. O fruto é vendido à arroba e, se for valorizado e tratado, o proprietário consegue arrecadar algum dinheiro. Como nos diz Paula Santos: “há uns anos atrás valia muito pouco, mas o ano passado atingiu cerca de 13 euros a arroba”.

Portugal é um dos três principais países produtores de alfarroba. Seca ou torrada, a alfarroba, suavemente doce, pode ser utilizada como um substituto para o chocolate, na confeção de bolos e xaropes. A semente é utilizada sobretudo para a extração de goma tendo variadas aplicações industriais, particularmente no sector alimentar como espessante, estabilizante, emulsionante, na alimentação animal. É igualmente importante para produtos biológicos na indústria, como agente gelificante na indústria têxtil (impressão), papel, produtos químicos (cola, tintas), farmacêutica (laxante, cápsulas, cremes dentais, medicamentos para tratamento da diarreia infantil) e cosméticos (cremes de beleza). Só por aqui se consegue apreciar o valor da alfarroba. E há quem saiba apreciá-la no prato. De há uns anos para cá, a farinha de alfarroba começou a ser a base de muitas receitas.

Quem não gosta de uma boa torta de alfarroba? A doçaria reinventou-se com a alfarroba. Tartes, pães, bolas de berlim de alfarroba. Não falta imaginação para dar uso a um produto que é tão nosso. E tão saboroso. Da próxima vez que pedir um doce de alfarroba aposto que vai degustá-lo de forma diferente, valorizando o trabalho difícil de quem permite que a alfarroba chegue ao seu prato. No final é caso para dizer: bom apetite!

A alfarroba apanha-se no mês de Agosto. A sua vagem é composta por sementes que depois de trituradas dão origem à farinha de alfarroba, muito utilizada na doçaria.