Crítica de cinema

Vasco Pulido Valente

O novo filme-documentário de Guillaume Massart servirá certamente bem a um público atenuado pelo espírito quotidiano: os seus silêncios, respirações e palavras. Não sabemos bem o que se passa na Prisão de Casabianda, algures na Córsega, enquanto exploramos o dia-a-dia dos 130 homens acusados de cometer abusos sexuais a crianças. Tudo o que o cineasta francês nos permite observar, ao longo das duas horas de filme, é o cumprimento de uma pena a “céu aberto”, e pouco mais há a pensar sobre o assunto. César Monteiro já tinha feito uma incursão sobre o tema, no seu Malefícios de uma jovem de Creta, mas desta vez a expiação dos pecados destes penitenciados parece gelar o assento onde nos sentamos, enquanto somos transportados para a ilha maldita. Um filme catártico, certamente o melhor do jovem cineasta de 35 anos, que esteve presente em Lisboa na semana passada, na Aula Magna. O travelling da câmara permite-nos entrar literalmente na vida destes homens, acompanhar os seus traumas, vivências e recordações, enquanto tentam passar a porta invisível da quarta dimensão. Nem mesmo o director escapa a esta antanamorfose de cena, não havendo espaço onde se esconder. A transparência da obra de Massart é o vínculo que raramente se intromete entre fábula e riso, sonho e desejo, antecipando futuras conquistas no festival de Ljubljana que se avizinha.