Com a edição de “The Irishman”, Martin Scorcese volta a abordar o universo da máfia, adoptando uma perspectiva melancólica em contraponto à brutalidade que normalmente define a maior parte dos seus filmes (“Tudo Bons Rapazes” ou “Casino”). Um ambiente marcadamente escuro e uma sensação de isolamento afeta os seus personagens. O tom frio das cores e os olhares cansados acentuam essa tendência e tomam conta das três linhas de narração do sindicalista Frank Sheeran (magistralmente interpretado por Robert De Niro).

O anacronismo da história é pontuado por uma ausência de continuidade temporal, apoiada em flashbacks e flashforwards e na procura (concretizada) de redenção de Frank Sheeran que cresceu com o arrependimento. No período em que a narrativa assume uma dimensão íntima e pessoal, o protagonista alcança um patamar de humanidade adequado à sua postura. Um desses momentos ocorre quando o juiz questiona Sheeran sobre a morte de Jimmy Hoffa e o sindicalista responde lacónica e despojadamente como se fosse um suspiro: “Este não é o local certo”.

Baseado no livro “I Heard You Paint Houses”, de 2004, escrito pelo investigador e advogado Charles Brandt, o novo filme de Scorcese aborda a vida de Frank “The Irishman” Sheeran e das suas ligações ao crime organizado. Frank Sheeran confessou pouco antes de morrer (em 2003) ter assassinado o líder do sindicato dos camionistas americanos Jimmy Hoffa (representado por Al Pacino). Na prática, o filme mostra como ser um gangster de forma crua e percorre a vida inteira dessas pessoas através das décadas. Ao longo da história, evidencia-se ainda o egocentrismo e a ganância de homens desprotegidos de si mesmos.

Do elenco fazem também parte outros artistas consagrados como Joe Pesci e Harvey Keitel. “The Irishman” alcançou um novo recorde de duração (3h 30m) e assinala a primeira vez em que Martin Scorcese dirigiu Al Pacino e em que este contracenou com Joe Pesci. Globalmente, Scorcese, aos 77 anos, reafirmou o seu génio cinematográfico com este trabalho, alcançando um patamar superior de maturidade em filmes do género. O segredo do teor apelativo do filme reside na conciliação brilhante entre momentos de acção e silêncio, conjugada com um retrato cru da ambiguidade que define as suas personagens.