Crescemos a ouvir histórias macabras e trágicas, disfarçadas de magia fantástica e infantil, onde nada nem ninguém era exactamente o que parecia, mas em que tudo terminava na felicidade eterna. E decidimos que queríamos isso para nós, um universo irreal num mundo real e frio, em que não paramos para pensar sobre o caminho a seguir e os meios a utilizar.

Tentámos ser as princesas encantadas, os príncipes-sapos e salvadores no meio de bruxas maléficas e fadas boazinhas, construindo uma sociedade que se auto-alimenta de um comportamento destrutivo-compulsivo. Gente que trabalha para dar respostas às necessidades económicas, familiares e comportamentais que a “sociedadolândia” impõe.

Os mais jovens labutam para ganharem dinheiro e darem o melhor aos filhos, mas não têm tempo para se darem. Tentando compensar o incompensável, entregam as crianças nas escolas, submetendo-as a horários de escravatura. E como nem sempre a familia é feita somente pelos filhos, os jovens são muitas vezes confrontados com a fragilidade e doença dos mais velhos. Mais uma vez, o dinheiro e a disponiblidade são “materiais” escassos, restando apenas a realidade imposta por um vazio suspenso. Por outro lado, os mais velhos são obrigados a trabalhar até mais tarde para tornarem sustentáveis as suas reformas e as dos seus filhos. Porém, são considerados os “roubadores de emprego jovem” pelos empresários que consideram que as empresas estão a ser transformadas em “lares de terceira idade”.

Esta realidade trouxe ao de cima o lado macabro do ser humano, numa mistura de maçãs envenenadas, rocas armadilhadas e esquemas de manipulação para se obter o sucesso desejado. Esse lado “escuro” transforma-o num ser, muitas vezes sem esperança, que tenta compensar os momentos ocos com instantes disfarçados de promessas numa descontracção virtual que por sua vez lhe retira a atenção para a vida e para os outros. Algo que se vê todos os dias e que nos leva a pensar o que podemos fazer diferente para criar um mundo melhor para nós e para os nossos filhos e netos.

A magia das histórias dos avós

 

Hoje percebemos que os valores éticos e sociais do séc. XXI mudaram e com eles vieram também dúvidas e questões que devemos tentar perceber. Contamos às nossas crianças histórias de fadas, princesas, bruxas e lobos para lhes passar os tais valores, mas esquecemo-nos de ser o exemplo, praticando as palavras e ensinamentos. Será que a menina de capuchino vermelho viveria a mesma história, se não tivesse uma avó para visitar ou será que a infância de tantas outras crianças seria igual sem as histórias dos avós ou…?

Não podemos desistir dos sonhos e dos finais felizes que nos transmitiram ao longo dos tempos, mesmo que tenhamos que enfrentar lobos, bruxas e dinossauros. Algo está a mudar na consciência da sociedade actual. E, se olharmos em nosso redor, vemos que existem excepções a estas modernidades e culturas. Percebemos que muitos dos pais e avós são, nestes tempos de crise e mudança, o porto seguro de jovens que estudam cada vez mais e conseguem os piores empregos, desesperando com a falta de expectativas. É necessário estimular as diferentes gerações.

As relações entre os mais jovens e os mais velhos nem sempre foram, ou são fáceis. Mas, provavelmente são a única maneira de fazer (re)nascer novas ideias e ideais. Existem sempre momentos da autoridade versus rebelião que podem co-habitar com muitos outros de partilha entre pais e filhos, avós e netos. É esta relação multifacetada que deve ser estimulada quer na transmissão de valores quer de conhecimentos.

Troca de experiências entre gerações

Na última crise que o país viveu, os mais jovens passaram por situações que os mais velhos julgaram ter apagado das suas memórias e do futuro dos seus filhos. Tempos de miséria, analfabetismo e preconceitos marcaram uma geração dos anos sessenta que perante a “magia” vinda da integração de Portugal na União Europeia, acreditaram que o final feliz e perfeito tinha chegado às suas vidas, logo às dos seus filhos. Porém, nem tudo é o que parece e o paraíso transformou-se num inferno, permitindo uma experimentação do que os mais novos não querem para as suas vidas, logo à luta por novos valores éticos e sócio-económicos.

Do caos pode nascer a esperança e, neste caso, da crise pode ter nascido uma nova geração de gente sem idade, mas com vontade de mudar. A necessidade de apoio familiar aproximou gerações, trouxe de novo a certeza de que vale a pena lutar pela estrutura familiar, seja ela a tradicional ou alternativa, sabendo que os avós podem cuidar dos netos, aprendendo com eles e ensinando-os a olhar para trás sem saudosismo, mas transmitindo experiências. Talvez, por isso, Meik Wiking tenha afirmado numa entrevista “todas as crianças merecem avós portugueses e políticas escandinavas favoráveis à família”.