Somente 9% das crianças e jovens em situação de acolhimento em 2017 tinham a adoção como futuro possível — valor mais baixo da última década.

Há cada vez menos crianças e jovens a saírem de lares de acolhimento por terem sido adotados e são também menos os que ainda estão à guarda do Estado que tenham a adoção como projeto de vida para o futuro (um projecto de vida baseia-se num plano traçado pelos técnicos das instituições e as crianças e jovens, tendo em vista o seu futuro). Estas são algumas das tendências evidenciadas pelo relatório Casa — “Caracterização Anual da Situação de Acolhimento de Crianças e Jovens relativo a 2017”, divulgado esta segunda-feira pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

E, por exemplo, segundo este relatório, das 7533 crianças e jovens que estavam acolhidos pelo Estado em 2017 por terem sido abandonados pela família ou por esta os pôr em risco, apenas 673 (9%) tinham a adoção como projeto de vida futura – o que representa o valor mais baixo dos últimos dez anos.

Uma fonte oficial do Instituto de Segurança Social (ISS) afirmou que esta quebra justifica-se principalmente pelo aumento do número de jovens com idades mais velhas e pela diminuição dos que estão em escalões etários mais baixos. De acordo com o mesmo relatório, as crianças mais novas têm tendência a ser as mais adotadas, tendo um peso de 38,3% no grupo dos zero aos três anos e 32,4% nos que têm quatro a cinco anos. No grupo dos 12 aos 14 anos esta proporção desce para 5,7%. Legalmente, a adoção só é viável até aos 15 anos.

Esta redução deve-se ainda, de acordo com a mesma fonte do ISS, ao “grande foco” que continua a ser privilegiado nas estratégias para o futuro e que passa pela criação de condições para que as crianças e jovens acolhidas possam regressar às suas famílias de origem. A primeira prioridade do Estado é manter a criança com a família biológica. Se os pais não estão capazes de cuidar dela, procura-se uma alternativa no resto da família: avós ou tios que possam fazê-lo, enquanto se ajuda os pais a ter condições para receberem os seus filhos de volta.

O facto de o Estado não querer entregar crianças a famílias de acolhimento por falta de meios de fiscalização também se tornou na grande causa desta quebra. A entrega de crianças e jovens retirados dos seus núcleos familiares por se encontrarem em risco a famílias de acolhimento é uma opção minoritária em Portugal e assim deverá continuar nos próximos tempos, devido à falta de meios de fiscalização, avançou o Público esta terça-feira.

Ana Sofia Antunes, secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência.

“Enquanto não tivermos os meios necessários para garantir a supervisão e fiscalização das famílias de acolhimento não nos sentimos seguros para aumentar o seu número, embora seja essa a nossa vontade”, disse esta segunda-feira Ana Sofia Antunes, secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, no decorrer da apresentação do relatório Casa.

De acordo com a mesma, sem fiscalização, o acolhimento familiar pode ser “um susto” já que tudo se passa dentro de portas, sem haver outras testemunhas.

O relatório Casa admite ainda que entre as crianças e jovens que estavam em acolhimento em 2017, 25 voltaram a esta situação por terem ficado de novo em risco no processo de pré-adoção.

O que ficamos a saber também, através do relatório publicado, é que apenas 256 dos 673 candidatos à adoção tinham já em 2017 um decisão sobre o seu caso e que, destes, só sete tinham como garantido uma família para “futura adoção”. Os restantes (417) foram dados apenas como adotáveis mas o desfecho do seu caso continuava em aberto.

Entre os que terminaram o seu período de acolhimento em 2017 a situação é idêntica. Dos 2857 que deixaram de estar à guarda do Estado, apenas 9% o fizeram por terem como destino a adopção, o que constitui uma redução de 22% por comparação a 2016.

Outra fonte oficial do ISS considera que a redução do número de adoções em Portugal é um fenómeno que “irá acentuar-se”, principalmente pelo ao facto de haver menos crianças disponíveis – causada pela queda da natalidade –, e por as condições de vida das famílias terem tendência para melhorar.

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