O realizador Bernardo Bertolucci, “o último mestre do cinema italiano”, morreu de cancro do pulmão esta segunda-feira, em Roma, aos 77 anos, avançou o jornal La Repubblica. O cineasta estava preso há mais de dez anos numa cadeira de rodas, após ter sido operado a uma hérnia discal. De acordo com o Público, O Último Tango em Paris talvez seja o seu título mais “célebre”, acabando por ganhar uma maior dimensão nos últimos anos devido às cenas polémicas de violência sexual. Bertolucci era considerado “o grande maestro” do cinema italiano por ter realizado obras-primas como O Último Imperador, com o qual ganhou um Óscar. Mas A Tragédia de um Homem Ridículo (1981) é, de acordo com o jornal Público, a sua grande obra-prima, tratando-se de um filme em que se confrontava com a Itália desses anos. Todos os títulos do realizador tornam visível o calibre de um percurso: do cinema lírico sobre a experiência pessoal à mega-produção de prestígio.

Bernardo Bertolucci 2 3 4 5 6 7 8 9 10
<
>
Bertolucci conversa com Marlon Brando e Maria Schneider durante a gravação do filme "O Último Tango em Paris", em 1972. Este filme causou um grande impacto na sociedade dos anos 70 pelo forte erotismo, com numerosos planos de nus frontais feminino e, com uma cena particular que entraria à história do cinema, na qual o personagem de Marlon Brando viola a mulher interpretada por Maria Schneider.

Tendo já falecido Pasolini (1975), Visconti (1976), Rossellini (1979), Fellini (1993) ou Antonioni (2007), Bernardo Bertolucci era possivelmente o último realizador italiano com uma projeção verdadeiramente mundial. Bernardo Bertolucci nasceu a 16 de Março de 1940 na cidade italiana de Parma. O pai, Attilio, era professor de história da arte, poeta e escritor, mas também um crítico de cinema e acabou por exercer sobre ele grande influência. O seu talento manifestou-se rapidamente e aos 15 anos começou a dedicar-se à escrita, tendo chegado a ganhar diversos prémios literários, entre eles o Prémio Viareggio atribuído a uma primeira obra. No entanto, abandonou o curso de Literatura Moderna na Universidade de Roma para se dedicar ao cinema, a sua grande paixão. A entrada nesse novo mundo deu-se pela mão de Pier Paolo Pasolini, que, retribuindo a ajuda que o pai de Bertolucci lhe prestara na publicação do seu primeiro livro, o contratou para assistente de realização do seu primeiro filme, Accatone.
É assim que em 1962, aos 21 anos, realiza a sua primeira obra, La Commare Secca, um mistério policial em torno do assassinato de uma prostituta, baseado num argumento de Pasolini. O filme, todavia, não obteve grande sucesso chegando a ser um completo fracasso de público e crítica. O seguinte, Antes da Revolução, já conseguiu ganhar prémios em Cannes.
Seguem-se obras como A Estratégia da Aranha (1970) e O Conformista (1970), que lhe valeu uma nomeação para o Óscar de Melhor Argumento Adaptado, O Último Tango em Paris (1972), protagonizado por Marlon Branco e Maria Schneider, e 1900 (1976), com interpretações de Burt Lancaster, Donald Sutherland, Robert De Niro e Gérard Depardieu.

“Depois da fase socialista dos anos 60/70, os anos 80 assinalam uma progressiva mudança ideológica e artística em Bertolucci, sendo que o filme que abre essa década, A Tragédia de Um Homem Ridículo (1981), expressa já um certo desencanto com o Marxismo”, escreveu o crítico do Diário de Notícias, Nuno Carvalho, num texto publicado em 2008, quando o realizador foi homenageado no Estoril Film Festival. “Juntamente com esse esmorecer ideológico, nasce no autor de A Lua o desejo de ser mais popular, a vontade de um sentido mais comercial para os seus filmes. Apesar de sempre haver resistido às tentações do cinema popular, Bertolucci sentia que fazia filmes regidos por uma certa ideia de ‘rigor’ que afastava as pessoas das salas”, acrescentou Nuno Carvalho.

São desta nova fase filmes como o épico O Último Imperador (1987), vencedor de nove Óscares da Academia de Hollywood, incluindo o de Melhor Filme e Melhor Realizador, Um Chá no Deserto (1990), com John Malkovich e Debra Winger, e O Pequeno Buda (1993), com Keanu Reeves. Entre os últimos filmes de Bertolucci encontramos Beleza Roubada (1996), Assédio (1998), Os Sonhadores (2003), com Michael Pitt, Eva Green e Louis Garrel.

“Durante muitos anos, vivi no sonho do comunismo”, disse Bernardo Bertolucci numa entrevista ao The Guardian em 2013, quando da estreia de Eu e Tu, o seu último filme. “Esse ‘sonho do comunismo’, da utopia dos ‘amanhãs que cantam’, da revolução proletária em Itália e no mundo, transportado pelo seu superior talento cinematográfico e pelo seu sentido lírico, enforma a fatia mais significativa da filmografia de Bertolucci, do início dos anos 60 até ao princípio da década de 80, quando assina, em 1984, o documentário L’Addio a Enrico Berlinguer”, avaliou o critico de cinema e jornalista Eurico de Barros, num artigo publicado no Observador.

Casado com a argumentista e realizadora Clare Peploe, Bernardo Bertolucci recebeu o Leão de Ouro de Carreira do Festival de Veneza em 2007 e uma Palma de Ouro Honorária do Festival de Cannes em 2011. Entre os projetos que não conseguiu concretizar contam-se uma adaptação de A Condição Humana, de André Malraux, e outra de Colheita Sangrenta, de Dashiell Hammett, que seria rodado em Hollywood com actores como Clint Eastwood, Warren Beatty ou Jack Nicholson. Foi tema de um documentário, Bertolucci on Bertolucci (2013), de Luca Guadagnino e Walter Fasano.

Ler mais: Bertolucci: Cinco filmes, da instrospecção à mega-produção